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Não incide ICMS na transferência interestadual de mercadorias, mesmo após a LC 87/96

Resumo: O post trata do entendimento do STJ no sentido de que na transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa não há  incidência do ICMS. Aqueles que querem assegurar o direito devem fazê-lo por meio uma ação judicial

O fato gerador do ICMS é a operação relativa à “circulação de mercadorias” ou a “prestação de serviços de transporte ou de comunicação”. Assim, só incide o imposto, no caso de mercadorias, na hipótese de ocorrer a sua efetiva circulação.

Vale dizer, o fato gerador do ICMS é o negócio jurídico que transfere a posse ou a titularidade de uma mercadoria. Por esta razão, simples remessa de mercadoria de um estabelecimento para outro, de uma mesma empresa, caracteriza-se como mero transporte e, assim, intributável por meio de ICMS.

De fato, a mera saída física da mercadoria do estabelecimento não constitui “circulação”, para efeito de incidência do ICMS que pressupõe a transferência da propriedade ou posse dos bens, ou seja, a mudança de sua titularidade por força de uma operação jurídica, tal como: compra e venda, doação, permuta.

Trata-se de questão que já estava absolutamente superada pela jurisprudência de nossos Tribunais.

Com efeito, ao apreciar a matéria decidiu o Supremo Tribunal Federal que:

“O simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICM. O emprego da expressão ‘operações’, bem como a designação do imposto, no que consagra o vocabulário ‘mercadoria’ são conducentes à premissa de que deve haver o envolvimento de ato mercantil e este não ocorre quando o produtor simplesmente movimenta frangos”. (AI 131.941-1 – Rel. Min. Marco Aurélio – un. DJ 19.4.91, p. 4583)

No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça, como se verifica da Súmula 166, editada em 1996:

“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”

Contudo, após a edição da LC 87/96, a questão foi “reaberta”. Alguns Estados alegam que a Súmula 166 e demais jurisprudências estariam superadas, porque a referida lei tratou a incidência do ICMS de forma diferente da legislação anterior, pois no artigo 12 está consignado:

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”

Alegam também, que a Súmula não se aplica às operações interestaduais, pois não haveria impedimento de que, nesta hipótese, a filial venha a ser considerada “estabelecimento autônomo”, para fins de tributação por via do ICMS.

Segundo os Estados, somente com a tributação não haveria prejuízo ao Estado de onde sai a mercadoria. Nesta hipótese, o remetente pagaria ICMS ao seu Estado, considerando a alíquota interestadual e, o destinatário também pagaria ao seu Estado de localização, mas apurado pela diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

Contudo, o STJ não aceitou os novos argumentos das fazendas estaduais e vem mantendo sua antiga posição, conforme se vê dos recentes precedentes abaixo transcritos:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. AMEAÇA CONCRETA. CABIMENTO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA DE MATRIZ PARA FILIAL DA MESMA EMPRESA. SÚMULA 166/STJ. RECURSO REPETITIVO RESP 1.125.133/SP.
A natureza da operação é a de transferência de produtos entre “estabelecimentos” de mesma propriedade, ou seja, não há circulação de mercadorias, muito menos transferência de titularidade do bem, requisito este necessário à caracterização do imposto, conforme determina a Súmula 166 do STJ. Incidência da Súmula 83/STJ.
Agravo regimental improvido”.
(AgRg no AREsp 69931/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 13/02/2012)

 “TRIBUTÁRIO – ICMS – TRANSFERÊNCIA INTERESTADUAL DE MERCADORIAS DA MESMA EMPRESA – NÃO OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR – PRECEDENTES.
1. A transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS, já que para a ocorrência do fato gerador deste tributo é essencial a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade.
2. Incidência da Súmula 166/STJ, que determina: “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
3. Precedentes: AgRg no Ag 1.068.651/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 5.3.2009, DJe 2.4.2009; REsp 772.891/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.3.2007, DJ 26.4.2007, p. 219.
Agravo regimental improvido”.
(AgRg nos EDcl no REsp 1127106/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010)

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  • Amal, boa tarde e, mais uma vez, aceite meus cumprimentos pela proatividade na matéria jurídico-tributária. É prazeroso perceber quem gosta do que faz e quem o faz com qualidade. Parabéns!...

  • De fato é um excelente material em uma linguagem de extrema clareza. Parabéns! Contudo, se cabe aqui meu humilde comentário sobre essa posição do STJ, com todo o respeito, eu acho que nossos honrados ministros deveriam fazer algumas simulações prática acerca da matéria, pois a não incidência do ICMS nesta hipótese acarreta prejuízo ao estado onde se localiza o estabelecimento remetente da mercadoria, pois imaginem um estado que concede um crédito fiscal no momento da aquisição em razão de uma pressuposto débito na saída, porém esta "promessa" não se cumpre, ou seja, não lhe ocorre o tão esperado fato gerador, já que no caso de transferência interestadual, segundo o STJ, esta hipótese não se materializa. E como ficaria a questão da Substituição Tributária do ICMS? É muito difícil imaginar a aplicação deste regime em uma operação não tributada. Vejo um grande abismo entre a posição do STJ e o Confaz.

    • Vagner
      É verdade que hoje grande parte das operações está sujeita à substituição tributária. Também concordo que pelo fato de ser um tributo não cumulativo, muitas vezes não há prejuízo ao comerciante.
      Mas o que não se pode esquecer que o STJ é um Tribunal e somente julga assuntos que lhe são levados por contribuintes. Os contribuintes entram com ações, porque de alguma forma aquela carga tributária lhes afetou. Existem ainda operações que não tem substituição tributária, além disso, muitos contribuintes tem saldo credores altos, além de outras possibilidades.

  • Transferência.
    Conceitualmente o ICMS é um imposto não cumulativo, de competência dos 27 Estados e 1 DF.
    A sujeição ativa é prerrogativa de cada uma deles, que de forma integrada, aplicam integralmente a não cumulatividade.
    Percebam que isso acontece quando um contribuinte do Estado X paga o ICMS que será parte acrescida a sua arrecadação, por outro lado quando essa mercadoria é enviada para um Estado Y o contribuinte destinatário registra o ICMS que foi pago ao Estado X como crédito de ICMS, que representa imposto a recuperar, implicando em redução da arrecadação do Estado Y.
    Isso é simples, mas posso garantir que muitos operadores do direito são analfabetos funcionais a esse respeito.
    Quando falamos em transferência de mercadoria entre estabelecimentos, devemos redobrar a cautela na análise, para evitar soluções precipitadas, tal como tem caminhado esse tema.
    Numa primeira análise a súmula tem boa aparência e muitos Estados já resolveram essa questão permitindo a centralização da apuração do ICMS, ou seja, a matriz apura e paga o imposto de toda a rede de estabelecimentos.
    Agora quando estendeu-se essa lógica para operações entre dois sujeitos ativos (interestaduais), desmoronou a funcionalidade do ICMS, O principio da não cumulatividade tornou-se um quebra cabeças que não encaixa mais, porque princípios da contabilidade não foram considerados. O Judiciário foi induzido a acreditar que estabelecimentos localizados em Estados X e Y estavam sendo onerados com o pagamento de impostos e que isso obviamente não seria justiça tributária.
    Puro atropelo, deveriam ter chamado os peritos para fazerem a demonstração contábil de que isso não ocorre, vejam o exemplo:
    A Loja 1, no Estado X compra um par de sapatos por R$ 100,00 neste valor está por dentro, R$ 18,00 de ICMS, do qual essa loja se credita como "imposto a recuperar" . Na sequência a Loja 1 faz uma transferência para a Loja 2 localizada no Estado Y, essa tranferência é feita pelo preço da última entrada, que foi de R$100,00 debitando o ICMS e destacando-o na Nota Fiscal.
    Então a Loja 1 comprou por R$ 100,00, creditou-se de R$ 18,00 e transferiu para a Loja 2 debitando R$ 12,00.
    Pergunta-se, quanto haverá de desembolso da empresa para esta operação de transferência? NADA. Puro lançamento contábil.
    Pergunta-se então, qual é a utilidade desta Súmula?
    Como fica o princípio da não cumulatividade? Se a Loja 1 não debitar o ICMS na saída para a Loja 2?
    Então a Loja1 pagará R$18,00 para o Estado X e a loja 2 pagará mais R$18,00 para o Estado Y quando efetuar a venda final, que somará um acumulado de 36%!

    • Talvez o STF esteja querendo Federalizar o ICMS, quem sabe!

      Operação Normal

      1ª etapa - Contribuinte adquiriu as mercadorias de seus fornecedores em território da federação onde também esta localizado o seu estabelecimento Matriz, na entrada se creditou do ICMS - (contribuinte fornecedor que efetuou a venda, apurou o imposto e recolheu a diferença ao erário do seu Estado);

      2ªetapa -A empresa Matriz adquirente da mercadoria transfere para sua filial em outra unidade da federação e destaca o ICMS (se transferir por preço do custo de aquisição. não haverá tributação em função do crédito tomado na entrada, ou seja, o estado de origem não perdeu nada!)

      3ª etapa -A mercadoria transferida com ICMS dará o direito ao crédito para a filial que se localiza em outra unidade da federação, e que, ao comercializar as mercadorias irá sofrer a tributação do ICMS somente sobre o valor agregado ao preço final.

      Operação efetuada de acordo com o proferido pelo STF:

      1ª etapa - Contribuinte adquiriu as mercadorias de seus fornecedores em território da federação onde também esta localizado o seu estabelecimento e se creditou do ICMS - (contribuinte fornecedor que efetuou a venda, apurou o imposto e recolheu a diferença ao erário do seu Estado);

      2ªetapa -A empresa adquirente da mercadoria transfere para sua filial em outra unidade da federação sem o destaque do ICMS , nesta operação a empresa manterá o crédito do ICMS na entrada (O Estado de origem perderá arrecadação nas operações de vendas futuras)

      3ª etapa- A mercadoria é transferida sem ICMS para a filial em outra unidade da federação, NÃO HÁ DIREITO A CRÉDITO, ONERANDO ASSIM A TRIBUTAÇÃO NO ESTADO DE DESTINO ONDE SE LOCALIZA A FILIAL)

      CONCLUSÃO, NÃO VISLUMBRO VANTAGEM ALGUMA NESTA DECISÃO, POIS DE QUALQUER FORMA A EMPRESA IRÁ RECOLHER O ICMS AO FINAL DA OPERAÇÃO!

  • Amal Nasrallah.
    Gostei do assunto abordado ! E gostaria de comentar tambem !

    A posição é mesmo conflitante, principalmente em casos onde há a transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.

    O ICMS é um imposto pertencente aos Estados federados e, ao Distrito Federal. O imposto é recolhido no Estado de sua origem, tendo, por ocasião da fracassada reforma tributária, causado conflito entre os Estados pela previsão de transferência para o destino das operações.

    Os Estados mais industrializados como São Paulo e Minas Gerais, não aceitaram essa hipótese. Portanto, entendemos que a transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte sem o devido recolhimento do imposto fere, no nosso entendimento, o princípio federativo.

    O tributo pertence à pessoa política onde a operação mercantil se realizou, ainda que o destinatário da mercadoria esteja localizado em outra unidade federativa ou, mesmo no exterior.

  • Amal, muito boa matéria. Tenho algumas questões. Caso essa posição seja confirmada, em que momento nós contribuintes poderíamos adotá-la, diante de uma fiscalização, mesmo que nas fronteiras entre os estados. E a questão da Antecipação Tributária. Também não seria preciso recolher no momento da transferencia e sim somente na venda ao consumidor final, aplicando o ST.

    • Imprópria.
      O STF deve rever este posicionamento, simplesmente por que ele pode desencadear o travamento da funcionalidade do ICMS.
      Imagine só que uma grande indústria especialmente aquelas que de tempos em tempos aparecem nos jornais com problemas fiscais.
      Basta que ela registre-se nos 27 estados (hoje faz isso pela internet), e na seguencia vai bater de porta em porta dos governadores para propor a centralização das operações com benefício fiscal, etc e tal.
      Outro exemplo seria a extração de grandes riquezas de um Estado transferindo a tributação para outro.
      Que tal uma indústria automobilística das grandes, mudar a todo o momento o Estado arrecadador!!

    • Fernando. É importante esclarecer que para se beneficiar destas decisões, o contribuinte necessariamente tem que entrar com uma ação.
      No caso, da antecipação, deve haver um estudo mais aprofundado. Não se pode perder de vista que a legislação estadual é diferente em cada estado.

  • Estou com uma dúvida a respeito da tributação de transferência entre estados. Por exemplo: Uma indústria de rações de MG tem uma filial em SP, aí ela transfere a ração para bovinos para a filial de SP:
    1- A base de cálculo será reduzida em 60% ou será tributada integralmente?
    2- A ração para venda em SP é isenta, por isso a filial de SP não poderá se creditar do Icms destacado na nota fiscal. Esse icms deverá ser estornado no DAPI?

    Alguém pode me ajudar nesta questão? Grato.

    Sérgio Vaz

  • Boa tarde Amal, trabalho no ramo agropecuario e sempre pagamos icms quando ocorre transferência de bovinos de MG para SP e vice-versa, ambas propriedades são do mesmo dono, lendo seu texto e pelo que entendi não é correta cobrança do icms. É isso? Obrigado

    • Olá Mateus
      Se a sociedade for a mesma, não há incidência do ICMS, segundo entendimento do STJ. Contudo, é necessário entrar com uma ação para assegurar o procedimento, porque o fisco entende que o ICMS é devido nestas operações.

  • Bom dia, Amal. Não seria o caso de incidir o ICMS transporte quando as operações fossem intermunicipais ou interestaduais?

    • Olá Marcela. De fato, o ICMS incide nas operações interestaduais. Contudo, no caso do post existe uma peculiaridade, não se trata de venda de mercadorias que circulam entre os dois estados, mas de operações de transferência entre estabelecimentos da mesma empresa. Como não há venda, e portanto, não há transferência jurídica do bem, o STJ entende que o ICMS não é devido.
      ab

  • Amal, uma dúvida
    eu posso comprar uma mercadoria em um estado e transferi-la para outro
    filial/matriz com o mesmo preço de compra na origem?
    Obrigado

        • Em regra, nas operações interestaduais de transferência mercadorias que saem de RS, para estabelecimento localizado em outro estado da federação, a base de cálculo é (i) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; ou (ii) o custo atualizado da mercadoria produzida, assim entendido a soma do custo da matéria-prima, do material secundário, da mão-de-obra e do acondicionamento, atualizado monetariamente na data da ocorrência do fato gerador; ou (iii) se for mercadoria não industrializada, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente.

  • Sobre a transferência interestadual, pergunto: O difal também é devido pela filial quando a matriz transfere a mercadoria? Outra duvida, exemplo: A matriz do RJ transferiu mercadorias para filial de SP. Por um motivo qualquer a filial de SP transferiu essa mesma mercadoria para uma filial do RS. Como ficaria essa tributação Segundo o STJ? Todos os estados e o DF tributam de que forma sem a sombra do STJ? Agradeço.

    • Olá Elias
      Neste exemplo que você deu da transferência para SP e depois para o RS, não incidiria o ICMS, porque de qualquer forma é transferência.
      Mas para assegurar o seu direito é necessário entrar com uma ação.
      Ab