O cerne da questão consiste no seguinte, o ISS é um imposto que recai sobre prestação de serviços. Ocorre que serviço consiste num “esforço humano” ligado à obrigação de fazer e, em vista disso, os valores de materiais utilizados na construção, a rigor, não podem integrar a base de cálculo de um imposto que incide sobre prestação de serviços, como é o caso do ISS.
A Lei Complementar 116/2003 em seu artigo 7º, §2º dispõe que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço e que não se incluem na referida base o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de:
(i) Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
(ii) Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
Ocorre que existe a Súmula 167 do Superior Tribunal de Justiça do seguinte teor:
“O fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil, preparado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões, é prestação de serviço, sujeitando-se apenas a incidência do ISS”.
Esta Súmula surgiu por conta de uma discussão jurídica que ocorreu há 20 anos atrás que definiu qual o imposto incidia na construção civil, se o ISS ou o ICMS, visto que neste tipo de atividade há prestação de serviço e também fornecimento de materiais. Ocorre que, da leitura atenta do enunciado é possível observar que trata de uma hipótese em que há “preparação do concreto no trajeto até a obra”, ou “preparação do concreto na obra”. Na verdade a Súmula trata do serviço de concretagem (atualmente expressamente previsto no item 7.02 da Lista da LC 116/2011). Contudo, a Súmula acabou deflagrando equívocos, pois acabou levando à interpretação de que o fornecimento de materiais seria sujeito ao ISS.
Tanto é assim, que o STJ acabou pacificou o entendimento de que os insumos adquiridos de terceiros pelo construtor e utilizados na obra compõem a base de cálculo do tributo municipal, que é o custo integral do serviço, não sendo admitida a subtração dos valores correspondentes aos materiais utilizados.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, no RE 603.497/MG interposto contra acórdão do STJ, reconheceu a repercussão geral da questão e na referida decisão publicada em 16.9.2010, consignou: “Esta Corte firmou o entendimento no sentido da possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil”
Em vista disso, o Ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o AgRg no AgRg no REsp 1228175/MG, alterou o seu entendimento anterior para reconhecer a possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil. Depois deste julgamento, outros Ministros do STJ alteraram suas posições. Neste sentido cito o AgRg no AgRg no Ag 1410608/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, DJe 21/10/2011 e o AgRg no Ag 1422997/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 28/10/2011.
Estes acontecimentos estão agitando as empresas ligadas à construção civil que estavam desestimuladas em discutir a questão. Agora se abriu uma nova perspectiva, e a possibilidade do STF decidir favoravelmente às construtoras é muito boa. Além disso, o próprio STJ já está mudando o seu posicionamento.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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muito interessante!!!
É uma verdadeira desordem! Eu trabalho em uma empresa que vende material para construção civil e também trabalha como subempreiteira para instalar estes materias na fase ainda da obra civil.
Optamos por tributar o produto fabricado fora da obra pelo ICMS e o serviço de instalação enquadrado no item 7.02 da LC 116/2003 no ISS, que inclusive é retido e pago na cidade onde está localizada a obra civil.
Mas no caso de concretagem... as empresas então que vendem o concreto ficam com saldo credor do ICMS na aquisição de cimento, areia e demais componentes quimicos...
Não há saldo credor de ICMS, visto que as empresas que vendem concreto nas condições da súmula 167 do STF não são contribuinte do ICMS e sim do ISSQN, compram os materiais com incidência de alíquota interna do ICMS. Na formação do preço, o imposto (ISSQN) é embutido (por dentro) no valor do preço do serviço ou seja (95% + 5% = 100%) não há porque deduzir os materiais se o mesmo faz parte do preço do serviço para composição do imposto. No exemplo considerando a alíquota de 5%
O ISS é um imposto que tem gerado inúmeras controvérsias. Acho que vai demorar para que sejam pacificadas todas as questões.
Muito interessante este assunto!!!
Nosso escritório milita há muito tempo na questão e, na realidade, já havia vasta jurisprudência anterior pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, que já vinha reformando os acórdãos do STJ. O que acontecia é que o STJ se prendia a seus próprios precedentes (originados de um antigo acórdão relatado pelo Min. José Delgado, também reformado pelo STF) e não observava a jurisprudência do STF. Nesse sentido, a repercussão geral chamou a atenção do STJ para a divergência até então existente e, hoje, todas as suas turmas já têm acórdãos unânimes acolhendo a orientação do STF.
Devemos lembrar que o RE 603.497/MG ainda não transitou em julgado, ou seja, ainda existe um agravo regimental interposto pelo Município de Betim-MG para ser apreciado pelo Supremo.
Dessa forma, poderá ocorrer duas situações: 1) A Min. Rosa Weber, que é a atual relatora deste Recurso Extraordinário (pois substituiu a aposentada Min. Ellen Graice) poderá rever/mudar a decisão monocrática da Min. Ellen Graice; ou 2) Levar o presente recurso para julgamento pelo Plenário do STF.
Não há nada terminado/decidido ainda, pois tudo pode mudar, haja visto que a decisão monocrática da Min. Ellen Graice foi totalmente equivocada, pois ela utilizou o termo "materiais empregados na construção civil" ao invés de "materiais fornecidos pelo prestador dos serviços" como prescrito no DL 406/68 e na LC 116/2003, o que mudou totalmente o sentido da Lei.
Se observarmos com cuidado as Jurisprudências do STF, veremos que aquela Corte Suprema vem decidindo em todas as suas Jurisprudências que “é constitucional a dedução dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços da base de cálculo do ISS na construção civil, previsto no Art. 9º, §2º, a), do Decreto Lei nº 406/68 (Atual Art. 7º, § 2º, inciso I da LC nº 116/2003), pois não contraria os preceitos constitucionais.
Portanto, o STF não interpretou o DL 406/68, dizendo que qualquer material empregado/utilizado nas obras de construção civil poderiam ser deduzidos da base de cálculo do ISS, até porque seria invasão da competência exclusiva do STJ. O Supremo apenas declarou a constitucionalidade do Art. 9º, § 2º, do citado Decreto Lei.
Nesse sentido, a decisão da Min. Ellen Graice foi indiscutivelmente equivocada, pois ela trocou completamente o sentido do Art. 9º, §2º, a), do DL 406/68, ao utilizar a expressão "materiais empregados".
Creio que tudo deva ser esclarecido em breve pelo Plenário do STF, onde todos os Ministros deverão votar, acabando com as dúvidas e interpretações erradas que pairam sobre esta decisão polêmica da Min. Ellen Graice no RE 603.497/MG.