Sob a égide do Decreto-lei nº 406/68, havia muita divergência em relação ao ente competente para exigir o tributo. Após muitas discussões, finalmente o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o Município competente para a cobrança do ISS é aquele em cujo território se realizou o fato gerador, vale dizer, onde foi realizado o serviço, sendo irrelevante a localização da sede da empresa em vista do princípio constitucional implícito que atribui ao Município o poder de tributar os serviços ocorridos em seu território.
Em vista deste entendimento do STJ, diversos contribuintes que já tinham recolhido o imposto no local do seu estabelecimento, foram compelidos a recolher ISS pelos mesmos fatos geradores, também ao Município onde o serviço foi realizado, arcando duplamente com o ISS.
Com a edição da LC nº 116/2003, para evitar controvérsias, o legislador especificou de forma minuciosa quais são os serviços cujo ISS é devido no local da prestação e quais são os serviços cujo ISS é devido no local do estabelecimento do prestador.
Ocorre que, ao invés de diminuir os lançamentos realizados, o que se vê na prática é que alguns fiscais, com a conivência dos seus superiores hierárquicos, continuam lançando o ISS, agora de forma arbitrária, visto que não há mais divergências.
Com relação aos fatos geradores ocorridos sob a égide do Decreto-lei nº 406/68, alguns Municípios, que antes alegavam que o ISS era devido no local da prestação de serviço, passaram a alegar a tese contrária, qual seja, de que o Município competente para cobrar o ISS é do local do estabelecimento, autuando contribuintes que tem sede em seus territórios e que prestaram serviços em outros locais, em afronta à jurisprudência pacificada quanto a esta questão.
Além disso, passou a existir uma prática muito comum que consiste em desclassificar o serviço realizado, classificando-o de outra forma, para exigir o imposto. Por exemplo, um contribuinte que presta serviço de limpeza e conservação, classificado no item 7.10 da Lista de serviços, cujo ISS é devido no local da prestação, sofre fiscalização que o acusa de ter classificado o serviço no item incorreto, reclassifica o serviço para outro item, por exemplo, item 7.13, onde consta o serviço de “higienização”, cujo imposto é devido no local do estabelecimento prestador e exige o ISS.
Vale dizer, o contribuinte de ISS hoje é refém das fiscalizações municipais. E o que é pior, mesmo que se procure o Poder Judiciário, o dano causado muitas vezes é irremediável.
Cabe lembrar que o lançamento de tributo pela fiscalização se reveste de presunção de liquidez, certeza e legitimidade, o que dá ensejo à interposição de execução fiscal do Município contra o contribuinte, com a penhora preferencial de dinheiro depositado em conta corrente, sem que o particular tenha possibilidade de defesa antes da constrição, pois para se defender precisará opor embargos à execução e garantir o juízo antes.
Por outro lado, a interposição de eventual ação judicial para anular o débito não afasta a possibilidade de penhora de bens, pois a exigibilidade do crédito tributário somente se suspende com a efetivação de depósito judicial (em outras palavras, ou o contribuinte tem o seu dinheiro penhorado, ou é obrigado a fazer depósito de valor manifestamente indevido).
Certo é que há ainda a possibilidade de o contribuinte pleitear uma medida liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário, mas cada vez mais o Poder Judiciário se mostra tímido em conceder liminares, justamente por causa da presunção de liquidez, certeza e exigibilidade do lançamento efetuado pelo fisco.
Com certeza situações como esta, devem ser combatidas, pois apesar de parecer que o único prejudicado é o contribuinte do ISS, em verdade o prejuízo é da sociedade, pois isto se reflete no preço dos serviços, que com certeza terão seus preços elevados para que o empresário possa suportar a carga tributária abusiva.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Dra. Amal, bom dia !
Parabéns pelo artigo, infelizmente já deparei com casos destes, os agentes fiscalizadores, por ignorancia, aplicam penalidades fiscais sem ao menos saber do que se trata.
Cabe ao contribuinte impetrar ação defendendo-se do ato, acarretando gastos desnecessários, devido o fraco conhecimento da legislação por parte do "fiscal".
Em minha opinião a legislação pertinente carece de profunda revisão, assistida de advogados, acompanhado pela OAB.
Atenciosamente,
Ferraz
Concordo que a legislação deve ser revista de modo a minimizar os danos causados por ações irregulares praticadas por agentes da fiscalização. É óbvio que existem fiscais que realizam o seu trabalho com seriedade, mas está crescendo o número de lançamentos descabidos.
Muito bom o arquivo
Dra. Amal, gostaria de parabenizá-la pela brilhante e tão polêmica matéria. Não sei se o exemplo da "higienização" é apenas hipotético, mas o fato é que realmente e notória a engenharia das prefeituras tentando desconfigurar o serviço prestado para outro que esteja na regra geral do local da cobrança do tributo.
Entendo que outro fator relativo ao ISS é que também ajuda ou complica o entendimento sobre o local que deve ser efetuada a cobrança do tributo é o que consta no art. 4º da LC 116/2003
que tenta descrever o que é estabelecimento prestador.
"Art. 4o Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas."
Este artigo pode levar ao entendimento de que, ainda que o serviço seja prestado em localidade diversa daquele onde o prestador de serviços esteja domiciliado e, o serviços não esteja enquadrado nas exceções do artigo 3º, deva ser exigido pelo municipio do local aonde o serviço está sendo prestado.
Olá Italo
O caso da "higienização" é verdadeiro (parece piada mas não é). Com relação à interpretação do artigo 4º, realmente, a redação pode levar a diversas interpretações, o que piora a situação dos contribuintes.
Boa noite Doutora!
Parabéns pelo artigo. Realmente as Secretarias de Finanças abusam da interpretação das normas para fazer incidir o tributo. A construção civil, setor em franco crescimento hodiernamente, está experimentando, como tantos outros setores, a ansia arrecadatória das prefeituras. Recentemente obtivemos decisão favorável em Agravo Regimental no STJ para afastar da base de cálculo do ISS na construção civil o preço dos materias adquiridos de terceiros e as subempreitadas já tributadas, porquanto a fiscalização municipal considera como base de cálculo o preço total da obra, sendo a que a base de cálculo da exação é a prestação do serviço, não podendo ser computado os valores relativos aos materiais e as subempreitadas já tributadas, sob pena de bitributação. A tese sustentada é que não houve revogação do artigo 9º, §2º do Decreto-Lei 406/98. Em razão de novo Agravo Regimental, interposto pela municipalidade, a matéria será julgada pela Primeira Turma do STJ na semana que vem. Caso tenha interesse em acompanhar, o número do processo é Ag 1410608 STJ.
Desde já agradeço pelas matériais instigantes publicadas.
Boa noite.