O ISS não incide sobre operações de compra de direitos creditórios pela “factoring”. Não obstante isso, o Município de São Paulo está autuando as empresas de “factoring” exigindo ISS sobre essas operações.
De acordo com o art. 156, III, da Constituição Federal, compete aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar, não-compreendidos no âmbito dessa competência os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
A Lei Complementar 116/2003, ao dispor sobre o ISS, editou nova lista de serviços, cujos itens 10.04 e 17.23 possuem, respectivamente, o seguinte teor:
“10 – Serviços de intermediação e congêneres. (…)
10.04 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (“factoring”).”
“17 – Serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres. (…)
17.23 – Assessoria, análise, avaliação, atendimento, consulta, cadastro, seleção, gerenciamento de informações, administração de contas a receber ou a pagar e em geral, relacionados a operações de faturização (“factoring”).”
No entanto, a mera inserção do “factoring” no rol de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar 116/2003 não possui o condão de transmudar a natureza jurídica complexa do instituto, composto por um plexo de obrigações de dar, de fazer e de não fazer.
De fato, a compra e venda de direitos creditórios pela “factoring” é formada por dois elementos:
a) de prestação de serviços, que representa os serviços que obrigatoriamente devem ser realizados aos clientes, remunerada pela cobrança de uma comissão “ad valorem”, variável de 0,5 a 3% e contabilizada em receita de prestação de serviços; e
b) compra de créditos, que significa a diferença obtida na compra dos créditos mercantis representativos das vendas efetuadas pelos clientes e que devem ser contabilizadas como receita de operações de “factoring”.
A prestação de serviços é remunerada mediante um preço ajustado sobre o qual incide o ISS a ser recolhido à Prefeitura.
Por outro lado, a compra de créditos, não é prestação de serviços a terceiros, razão pela qual sobre esta parcela não pode haver incidência do ISS. A intermediação financeira de recursos, dentre as quais a aquisição de direitos creditórios é operação de crédito, nada tendo a ver com prestação de serviços.
Nesse sentido já decidiu o STJ:
“TRIBUTÁRIO. ISS. “FACTORING”. BASE DE CÁLCULO. 1. “Da interpretação sistemática das normas jurídicas acima, conclui-se que não incide o ISS sobre a compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços” (REsp 552.076/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 02/08/1997). 2. “A intermediação financeira de recursos, dentre os quais a aquisição de direitos creditórios, é operação tipicamente bancária, nada tendo a ver com a atividade de “factoring” (Resp 591.842/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 06/03/2006). 3. Recurso especial provido para determinar que a base de cálculo do ISS, nas atividades de “factoring”, incida sobre o preço do serviço cobrado, sem inclusão do lucro obtido pela empresa em decorrência da diferença de compra do título e do valor recebido do devedor.” (REsp 998.566/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 21/05/2008)
Cabe lembrar que recentemente o STF decidiu que a compra de créditos por uma “factoring” é operação de crédito e sobre ela incide IOC (IOF) “uma vez que envolve, ao lado da prestação de serviços, a cessão de créditos, mediante alienação de faturamento (representado, como regra, por títulos de crédito) com vistas à antecipação de capital futuro para o emprego na atividade empresarial”.
Na ADI 1763, julgada em junho de 2020 pelo STF, Tribunal Pleno, Relator Min. Dias Toffoli tratou-se da natureza das alienações de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo às empresas de “factoring” estacando-se que tanto no caso do convencional “factoring” como na hipótese do “maturity factoring”, envolve, sempre, uma operação de crédito ou uma operação relativa a títulos ou valores mobiliários. E por isso incide IOF.
Ora, tendo em vista que a natureza é de operação de crédito, não incide o ISS.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.