Com o julgamento da inconstitucionalidade da multa no percentual de 25% sobre valor da operação na esfera do ICMS, pela Segunda Turma do STF (AG.REG. no recurso extraordinário 754.554 – GO), é possível concluir pela inconstitucionalidade de pelo menos 24 multas constantes no artigo 527 do Regulamento do ICMS de SP.
De fato, o STF ao analisar o referido recurso, consignou que uma multa no percentual de 25% sobre o valor da mercadoria na esfera do ICMS, não é razoável e tem caráter confiscatório.
No precedente do STF é citado o entendimento do Ministério Público Federal, no qual consta que “a multa imposta sobre o valor da operação revela a inequívoca desproporção entre a multa e o imposto (ICMS) cobrado”. E isto porque, “o valor da multa é maior que a própria obrigação tributária. Assim sendo, referida penalidade tem natureza confiscatória e afronta o princípio da capacidade contributiva.”
No julgado está mencionado que normalmente o ICMS incide no percentual de 17% (ou 18%), sobre o valor das mercadorias, o que induz ao fato de que uma multa de 25% do valor da operação seria maior do que o valor do imposto eventualmente devido.
Eis a ementa do julgado:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRECEITO INSCRITO NO ART. 150, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CARÁTER SUPOSTAMENTE CONFISCATÓRIO DA MULTA TRIBUTÁRIA COMINADA EM LEI – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE CONFISCATORIEDADE DO TRIBUTO – CLÁUSULA VEDATÓRIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO MATERIAL AO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E QUE TAMBÉM SE ESTENDE ÀS MULTAS DE NATUREZA FISCAL – PRECEDENTES – INDETERMINAÇÃO CONCEITUAL DA NOÇÃO DE EFEITO CONFISCATÓRIO – DOUTRINA – PERCENTUAL DE 25% SOBRE O VALOR DA OPERAÇÃO – “QUANTUM” DA MULTA TRIBUTÁRIA QUE ULTRAPASSA, NO CASO, O VALOR DO DÉBITO PRINCIPAL – EFEITO CONFISCATÓRIO CONFIGURADO – OFENSA ÀS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS QUE IMPÕEM AO PODER PÚBLICO O DEVER DE PROTEÇÃO À PROPRIEDADE PRIVADA, DE RESPEITO À LIBERDADE ECONÔMICA E PROFISSIONAL E DE OBSERVÂNCIA DO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE – AGRAVO IMPROVIDO. (AG.REG. no recurso extraordinário 754.554 – GO)
Ocorre que, partindo da premissa do julgado de que uma multa de 25% sobre o valor operação é inconstitucional, pois supera o valor do imposto que seria devido, a única conclusão possível é de que mais de 24 multas constantes do RICMS de SP são igualmente inconstitucionais, pelas mesmas razões, inclusive multas referentes ao crédito do imposto.
Seguem as multas que seriam inconstitucionais, seguindo o raciocínio desenvolvido pela Corte Suprema:
“Artigo 527 – O descumprimento da obrigação principal ou das obrigações acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços, fica sujeito às seguintes penalidades
I – infrações relativas ao pagamento do imposto:
(…)
g) falta de pagamento do imposto, quando, indicado outro Estado como destino da mercadoria, esta não tiver saído do território paulista – multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor total da operação;
h) falta de pagamento do imposto, quando, indicada operação de exportação, esta não se tiver realizado – multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor da operação;
II – infrações relativas ao crédito do imposto:
a) crédito do imposto, decorrente de escrituração de documento que não atender às condições previstas no item 3 do § 1º do artigo 59 e que não corresponder a entrada de mercadoria no estabelecimento ou a aquisição de sua propriedade ou, ainda, a serviço tomado – multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor indicado no documento como o da operação ou prestação, sem prejuízo do recolhimento da importância creditada e da anulação da respectiva escrituração;
b) crédito do imposto, decorrente de escrituração não fundada em documento e sem a correspondente entrada de mercadoria no estabelecimento ou sem a aquisição de propriedade de mercadoria ou, ainda, sem o recebimento de prestação de serviço – multa equivalente a 40% (quarenta por cento) do valor escriturado como o da operação ou prestação, sem prejuízo do recolhimento da importância creditada e da anulação da respectiva escrituração;
c) crédito do imposto, decorrente de entrada de mercadoria no estabelecimento ou de aquisição de sua propriedade ou, ainda, de serviço tomado, acompanhado de documento que não atender às condições previstas no item 3 do § 1º do artigo 59 – multa equivalente a 35% (trinta e cinco por cento) do valor indicado no documento como o da operação ou prestação, sem prejuízo do recolhimento da importância creditada;
d) crédito do imposto, decorrente de escrituração de documento que não corresponder a entrada de mercadoria no estabelecimento ou a aquisição de propriedade de mercadoria ou, ainda, a serviço tomado – multa equivalente a 30% (trinta por cento) do valor indicado no documento como o da operação ou prestação, sem prejuízo do recolhimento da importância creditada e da anulação da respectiva escrituração;
III – infrações relativas à documentação fiscal em entrega, remessa, transporte, recebimento, estocagem ou depósito de mercadoria ou, ainda, quando couber, em prestação de serviço:
a) entrega, remessa, transporte, recebimento, estocagem ou depósito de mercadoria desacompanhada de documentação fiscal – multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor da operação, aplicável ao contribuinte que tiver promovido entrega, remessa ou recebimento, estocagem ou depósito da mercadoria; 20% (vinte por cento) do valor da operação, aplicável ao transportador; sendo o transportador o próprio remetente ou destinatário – multa equivalente a 70% (setenta por cento) do valor da operação;
b) remessa ou entrega de mercadoria a destinatário diverso do indicado no documento fiscal – multa equivalente a 40% (quarenta por cento) do valor da operação, aplicável tanto ao contribuinte que tiver promovido a remessa ou entrega como ao que tiver recebido a mercadoria; 20% (vinte por cento) do valor da operação, aplicável ao transportador; sendo o transportador o próprio remetente ou destinatário – multa equivalente a 60% (sessenta por cento) do valor da operação;
…
d) entrega ou remessa de mercadoria depositada por terceiro a pessoa ou estabelecimento diverso do depositante, quando este não tiver emitido o documento fiscal correspondente – multa equivalente a 20% (vinte por cento) do valor da mercadoria entregue ou remetida, aplicável ao depositário;
e) prestação ou recebimento de serviço desacompanhado de documentação fiscal – multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor da prestação, aplicável ao contribuinte que tiver prestado o serviço ou que o tiver recebido;
f) prestação de serviço a pessoa diversa da indicada no documento fiscal – multa equivalente a 40% (quarenta por cento) do valor da prestação, aplicável tanto ao prestador do serviço como ao contribuinte que o tiver recebido;
g) entrega, pelo depositário estabelecido em recinto alfandegado, de mercadoria ou bem importados do exterior, sem a observância de requisitos regulamentares – multa equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor da operação de importação.
IV – infrações relativas a documentos fiscais e impressos fiscais:
a) falta de emissão de documento fiscal – multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor da operação ou prestação;
b) emissão de documento fiscal que consignar declaração falsa quanto ao estabelecimento de origem ou de destino da mercadoria ou do serviço; emissão de documento fiscal que não corresponder a saída de mercadoria, a transmissão de propriedade da mercadoria, a entrada de mercadoria no estabelecimento ou, ainda, a prestação ou a recebimento de serviço – multa equivalente a 30% (trinta por cento) do valor da operação ou prestação indicado no documento fiscal;
…
d) utilização de documento fiscal com numeração e seriação em duplicidade ou emissão ou recebimento de documento fiscal que consignar valores diferentes nas respectivas vias – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor total da operação ou prestação;
e) emissão ou recebimento de documento fiscal que consignar importância inferior à da operação ou da prestação – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor da diferença entre o valor real da operação ou prestação e o declarado ao fisco;
f) reutilização de documento fiscal em outra operação ou prestação – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor da operação ou da prestação ou, à falta deste, do valor indicado no documento exibido;
g) destaque de valor do imposto em documento referente a operação ou prestação não sujeita ao pagamento do tributo – multa equivalente a 30% (trinta por cento) do valor da operação ou prestação indicado no documento fiscal; quando o valor do imposto destacado irregularmente tiver sido lançado para pagamento no livro fiscal próprio – multa equivalente a 1% (um por cento) do valor da operação ou prestação constante no documento;
…
z4) emissão ou impressão de documento fiscal com valor ou destinatário diverso do contido no correspondente documento fiscal eletrônico – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor total da operação ou prestação;
V – infrações relativas a livros fiscais, contábeis e registros magnéticos:
…
b) falta de escrituração de documento relativo à entrada de mercadoria, à aquisição de sua propriedade ou à utilização de serviço praticada por estabelecimento enquadrado no regime de estimativa ou por estabelecimento enquadrado em regime tributário simplificado atribuído à microempresa ou empresa de pequeno porte, com o objetivo de ocultar o seu movimento real, quando já escrituradas as operações ou prestações do período a que se referirem – multa equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor da operação ou prestação constante no documento;
c) falta de escrituração de documento relativo à saída de mercadoria ou à prestação de serviço, em operação ou prestação não sujeita ao pagamento do imposto – multa equivalente a 5% (cinco por cento) do valor da operação ou prestação constante no documento; ou a 20% (vinte por cento) desse valor se a mercadoria ou o serviço sujeitar-se ao pagamento do imposto em operação ou prestação posterior;
…
f) adulteração, vício ou falsificação de livro fiscal – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor da operação ou prestação a que se referir a irregularidade;
…
n) utilização, em equipamento de processamento de dados, de programa para a emissão de documento fiscal, ou escrituração de livro fiscal com vício, fraude ou simulação – multa equivalente a 80% (oitenta por cento) do valor da operação ou prestação a que se referir a irregularidade, não inferior ao valor de 100 (cem) UFESPs;
….
q) transmissão à Secretaria da Fazenda, por meio de arquivo digital, de informações de documentos fiscais divergentes daquelas constantes no documento fiscal entregue ao consumidor ou a este disponibilizado em meio digital pelo contribuinte – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor da operação ou prestação”.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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bom dia.. REcentemente um cliente meu, foi notificado por crédito indevido, por destacar icms em nota de retorno de Exposição. Pois ele entendeu que deveria emitir com crédito pois tratava-se de uma circulação de mercadoria, E a nota de Saída também saiu com destaque. O Estado não foi prejudicado. Pois o crédito matou o débito anterior.
Porém o fiscal aplicou multa de 100%, além de cobrar o icms creditado com juros.
O que acha dessa imposição?
Grato
Eduardo
Partindo das suas informações, na minha opinião, a cobrança é inconstitucional, pelas razões mencionadas no post. Existe falta de proporcionalidade e razoabilidade na aplicação da multa.
Qual o estado que prevê multa de 100 % sobre o valor da operação sobre credito destacado indevidamente na nota fiscal ? Me Concordo com a Dra Amal, pois o tributo não pode ter efeito confiscatório e o percentual de 100% sobre o valor da operação no caso de destaque indevido é desproporcional e irrazoável.
Tecnicamente falado, ainda que tenha havido a atenuante que a operação precedente tenha tido destaque de crédito do imposto, também, não faz sentido multa no percentual que vc. indicou.
Luiz Roberto. O Estado de SP
É lamentável, mas tanto a RFB como (principalmente) a Sefaz-SP são os órgãos que mais infringem a CF e outras leis federais acima deles, sob o pretexto de "preservação dos cofres publicos". Há uma embalagem retórica de presente à sociedade, mas dentro do "Emgbruglio" o produto é confisco mesmo. Parabéns Dra. Amal e mais uns dois ou três bons tributários que acompanho, que tem uma linha de defesa pró contribuinte, porque sinceramente, a maioria dos advogados tributários/aduaneiros, trabalham apenas proforma, corroborando as inexequíveis, confiscatórias e ilegais, exigências desses órgãos, em favor do fisco e não de seus clientes.