Trata-se do seguinte. O artigo 32 da Lei nº 4.357/64, na redação da Lei nº 11.051/2004 estabelece que a pessoa jurídica que tiver débito não garantido para com a União e Previdência Social não poderá distribuir participação nos lucros e pagar remuneração aos seus dirigentes, sob pena de pagamento de multa de 50% calculada sobre as quantias distribuídas ou pagas. As referidas multas são devidas pela pessoa jurídica e pelos diretores que receberem os valores.
Eis o teor do artigo:
“Art 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão:
a) distribuir… (VETADO) …quaisquer bonificações a seus acionistas;
b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;
§ 1o A inobservância do disposto neste artigo importa em multa que será imposta:
I – às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem bonificações ou remunerações, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente;
II – aos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) dessas importâncias.
§ 2º A multa referida nos incisos I e II do § 1o deste artigo fica limitada, respectivamente, a 50% (cinqüenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica.”
Já há um voto a favor dos contribuintes, mas o julgamento promete ser controvertido, pois há decisões proferidas em julgamentos anteriores no sentido de que deve prevalecer o interesse público sobre o particular e, se existem débitos em desfavor dos contribuintes, o lucro somente deverá ser distribuído e a remuneração paga após o acertamento da dívida tributária.
Contudo, este não é o melhor entendimento, pois a proibição de distribuição de lucros ou mesmo o pagamento de remuneração aos administradores se consubstancia em verdadeira anomalia inconstitucional que acarreta efeitos nefastos desfigurando os princípios da ordem jurídica, subvertendo os objetivos do sistema legal, além de comprometer a integridade e a supremacia da própria Constituição da República.
De fato, a prerrogativa de tributar não pode caracterizar-se como instrumento que, arbitrariamente manipulado pelas pessoas estatais, venha a conduzir à destruição ou ao comprometimento da própria ordem constitucional.
O Supremo Tribunal Federal já disse diversas vezes que o Poder Público não pode utilizar meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e mediante interdição ou grave restrição ao direito dos contribuintes, constrangê-los a pagar tributos, pois se trata de comportamento estatal arbitrário e inadmissível.
A prática consistente em utilizar medidas indiretas para forçar o pagamento de tributos já foi fulminada pelo Supremo Tribunal Federal inúmeras vezes, dando ensejo à edição das Súmulas 70, 323 e 547 daquela Corte:
“70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”
“323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”
“547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”
Vale dizer, é proibido ao Poder Público cercear de algum modo a atividade profissional ou econômica do contribuinte, para compeli-lo ao pagamento de débito, considerando que o Fisco detém meio próprio para cobrança de seus créditos, qual seja, a execução fiscal. Neste sentido, permitir que a distribuição de lucros ou pagamento de remuneração aos administradores seja cerceada viola o inciso LIV, do art. 5.º da Constituição, que estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O poder Público não pode se imiscuir na administração das sociedades, mesmo porque, o não pagamento de remuneração ou distribuição de lucros levará ao prejuízo (i) dos administradores, que recebem esses valores como pagamento de seu trabalho, e (ii) dos sócios não administradores, que acabarão sendo penalizados por ato de outrem.
Além disso, a norma em questão fere o princípio da razoabilidade, o princípio da livre iniciativa e exercício de qualquer atividade econômica, trabalho, ofício ou profissão, e por estas razões merece ser afastada.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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